Amigos me desculpem, mas eu sou um ser recíproco e eu
só dou de mim na proporção que eu recebo e você vai entender o porquê.
Aceite ou não, investir todo seu
sentimento em quem não devolve sentimento na mesma proporção tem outro nome,
mas reciprocidade não é. Para início de conversa, reciprocidade exige
igualdade. Não há como se falar em algo ser recíproco se ele não tiver pé de igualdade,
pois o próprio significado da palavra se concentra nisso: em mutualidade e
correspondência.
Quando alguém diz que só dá o que é
recíproco, as pessoas têm que entender o que é que de fato elas ouviram. Os
seres recíprocos não vão dar carinho a quem lhes dá rudeza; não vão dar amor
onde receberam desprezo; não vão dar esperança a quem lhes desiludiu. Na
teoria, todo mundo diz ser recíproco e afirma adorar a reciprocidade, mas, na
prática, o que todos querem é se esforçar pouco e receber muito.
Sabe a história da cigarra e da
formiga? Esta história nos traz uma importante lição, que pode ser aplicada a
diversos aspectos da vida cotidiana. O que mais existe nas relações
interpessoais são cigarras. Cigarras, neste caso, são pessoas que não investem
no relacionamento, que não fazem nada para conquistar o outro, para serem
alguém que vale à pena se ter por perto. Cigarras surgem, de repente, na vida
de alguém, acomodam-se e ficam ali, apenas acomodados vendo o outro trabalhar
insistentemente para construir uma relação sólida. As cigarras não se
manifestam para fazer nada, porque elas sabem que não precisam, afinal a
formiga está lá trabalhando por elas. De modo menos lúdico, são as pessoas
sugadoras, que chegam à vida do outro e acham que apenas por estar ali já
merecem colher todos os louros sem esforço algum. São pessoas egoístas e que se
julgam um grande presente, afinal sua presença e mais nada é suficiente para
fazer o outro trabalhar sozinho em prol do relacionamento. É aquela amiga que
te ocupa o dia inteiro com milhares de problemas e outras coisas, mas que muda
de assunto sempre que você sinaliza que não está bem e precisa de um ombro
amigo; é aquele cara que nunca toma a iniciativa de nada, mas se as coisas dão
errado, joga a culpa e tudo em cima de você; é o namorado que nunca te nota,
nunca te elogia, te ignora, mas nota a mulher do amigo e ainda diz que você não
se cuida; é o cara que não dá o menor sinal de interesse, de sentimento real,
não telefona, não chama para sair, não te procura, que deixa você correr atrás
dele o tempo todo e fazer tudo para sustentar ou criar o relacionamento; são
tantos exemplos, são tantas pessoas, que fica até difícil enumerar.
As formigas,
por outro lado, são aquelas pessoas que trabalham insistentemente e cegamente
para fazer as coisas darem certo. Elas são programadas para alcançar a meta,
elas não suportam a ideia de falhar, ainda que isso implique em anular o
próprio orgulho. Estas pessoas se esforçam, a ponto de se esgotar, elas até
aceitam carregar a cigarra nas costas e trabalhar dobrado por ela. Ou seja, é
aquela pessoa que se resigna quando a amiga habitualmente ignora seus problemas
e nunca se dispõe a se quer ouvir, mas está de prontidão sempre que o mundo da
amiga cai e, geralmente, é a cada duas horas; é aquela mulher que ama por si e
pelo homem, porque ela tem amor suficiente pelos dois, para ela nem importa se
ele a ama, interessa ficarem juntos e fazer a relação dar certo (como assim?);
é aquela mulher que vê o cara que disse a ela que não a chama para sair porque
não tem tempo postando fotos com os amigos na balada e, mesmo assim, insiste
para que ele saia com ela, até que ele aceite.
São duas
pessoas que vivem no oposto da psique: uma porque manifesta uma personalidade
completamente egoísta e autocentrada; e a outra porque tem pouco amor próprio e
quer apenas completar uma tarefa para manter uma fachada de sucesso. Mas, assim
como na história, uma ou outra formiga acaba sendo diferente e despertando para
a realidade, compreendendo que cada um deve colher o que planta e ter direito
aos frutos do seu trabalho. Esta formiga diferente é o ser recíproco. Um ser
que não admite que ninguém pegue carona nos seus sentimentos e em seus
esforços; um ser que sabe que amar por si e pelo outro não é amor; um ser que não
confunde reciprocidade com interesse, pois sabe que quem ama acaba dando de si,
não porque é obrigado, mas porque o amor nos faz sentir prazer em demonstrar e
fazer as coisas pelo outro; um ser que prefere viver só a carregar a cigarra
nas costas; que prefere mandar a cigarra pastar, mesmo que adore o canto dela,
pois sabendo que ela só está ali porque tem preguiça de trabalhar sozinha
prefere que ela vá cantar em outro lugar; um ser que não aceita ter ao seu lado
alguém que ficou porque está acomodado. O ser recíproco é aquele que só aceita
em sua vida uma pessoa que tenha real sentimento, pois ele não suporta viver de
relacionamentos de mentiras. Esse ser enfrenta com coragem a solidão de só
aceitar em sua vida o que é recíproco, porque ele sabe que demora até encontrar
alguém que seja recíproco como ele, disposto a trabalhar junto em prol de uma
relação.
O conceito do
amor unilateral é sim muito bonito, na teoria, e funciona muito bem para os
amores platônicos, que nascem e vivem apenas na imaginação. Contudo, na vida
real, visceral e palpável, nenhuma relação que se baseia em unilateralidade
pode se manter saudável. Sentimentos negativos são construídos em torno de uma
relação assim, emocionais começam a ser deteriorados e o que era para ser algo
bom torna-se uma obrigação, um fardo, um ofício. O que era para ser amor
transforma-se em sensação de injustiça. Um dos lados está sempre cansado e o
outro não evolui, construindo assim um relacionamento falido.
Amar sozinho
é muito bonito, nas poesias e músicas, mas amar sozinho, no cotidiano, todos
sabem que não funciona e quem insiste nisso paga um preço muito alto. Afinal, a
cigarra assim que percebe que a formiga atual – cansada de tanto esforço – já
não consegue produzir com a mesma intensidade, trata logo de cantar em outro
formigueiro, deixando para trás uma formiga esgotada, desiludida e sozinha.
Nunca é tarde, porém, para a formiga “cair na real” e compreender que a cigarra
só está ali pegando carona; também não é impossível a cigarra aprender a trabalhar
pelo próprio sustento, uma vez que a vida é um contínuo aprendizado e as
pessoas estão em processo ininterrupto de evolução e aprendizagem. Seja como
for, o importante é que entendam que quando alguém disser a palavra
reciprocidade, significa que ambos terão que por as mãos na massa.